Um dia fui visitá-la pelo meu trabalho no posto de saúde. A USF de Caeté-Acu, por ser Estratégia Saúde da Família (SUS), tem por norma realizar visitas domiciliares para aqueles acamados ou que por outros motivos não tem como chegar no posto. Infelizmente nem sempre é possível cumprir esta diretriz como gostaríamos, devido ao excesso de demanda – ainda mais nestes tempos pandêmicos – quando é uma das atividades mais gratas ao profissional, além de útil para a comunidade.
Por isso com alguma regularidade a visitava. Disso vai que um dia cheguei em sua casa e a filha comentou agastada que ela tinha o hábito de fumar cachimbo. E disse que D. Marica era muito teimosa, pois que não obedecia a suas admoestações para abandonar o vício.
Olhei para aquela senhora com olhar longínquo, sorriso leve e pele repleta dos sulcos com os quais nos marca o tempo. Se bem me lembro, contava mais de 95 anos e, levando-se em conta a idade provecta, gozava de boa saúde. Havia alcançado um tempo de vida, pitando seu cachimbo, que não sei se alcançaremos.
Disse-lhe que gostaria que ela me ensinasse a preparar o pito e a fumá-lo. A filha me olhou muito surpresa e sinalizei que depois comentaria melhor. A velhinha deu um sorriso leve, mas significativamente vitorioso e disse que ensinava com prazer. Ela sabia que eu não queria aprender, e a filha entendeu que não fazia sentido àquela altura proibir o seu prazer.
E falava dos tempos antigos, dos velhos conhecidos que sumiram após a perda das lavras e do café, dos que se foram quando seu tempo acabou… queria eu não ter mais visitas a fazer, para ali deixar-me embalar pelas histórias de D. Marica.
Aliás um dia, depois de um momento em que ficamos sentados lado a lado olhando as árvores no quintal, ela disse:
– Ah, quando o Dr. Aureo chegou aqui a luz chegou no Capão.
Nunca me explicou o porquê dessa frase lançada à socapa e sem aviso. Fiquei pensando e vi duas possibilidades. Ou ela se lembrou que desde que cheguei, toda vez que tinha que atender em casa eu insistia para que se abrissem as janelas (nem sei o porquê das janelas nas casas, porque ficavam o mais das vezes fechadas). Eu costumava dizer “onde entra o sol, não entra o médico”, frase dos antigos que escutei de familiares mais velhos. Essa é uma hipótese, e tem outra: 10 anos depois que cheguei chegou a iluminação por eletricidade. Será que ela confundiu os tempos e juntou as duas chegadas?
Ela se foi, ficou a saudade e as lembranças!
Beijos no coração, minha gente.