quinta-feira, 25 abril, 2024

Lourinho

Lourinho

Lourinho
Era como minha mãe chamava meu pai em vida…
Carinhoso apelido que guardei na memória dos dias…

E esse homem que vos apresento , por coincidência , tem o mesmo nome…

Foi um encontro fortuito na Barra do Gil , em Itaparica …

Fui espairecer na praia , e ao “passar pela Barraca ” Pelourinho da Ilha ” senti uma certa estranheza…

Parei em frente ao mar e ouvi uma música bela que me fez delirar…

Tomado pelo torpor da experiência , pedi uma agua de côco , mas sem sucesso .
Não havia no momento !

Simpatizei com a menina que me atendia , jovial e educada .

  • Então me dá um caldo de mariscos e nós dividimos !

Falei para ela , que sorriu aquiescendo…

O Tempo é espera , de muitas experiências …

E o fogo que aquece o alimento é alquimia sublime .

Fui paciente e olhei a água transparente , as pedras da beira , os coqueiros …

O cheiro que invadiu minhas narinas era do sargaço na areia numa manhã aprazível de sábado !

Notei um vulto que se sentava na cozinha , ao lado da geladeira.

Portava grossos óculos escuros , e usava luvas .

Estava ali parado na penumbra .

Perguntou-me quem eu era , de onde vinha…

Começamos um diálogo devagarinho…

Era distinto nos modos , bem falante , disse que conhecia Seabra, Ibotirama e Palmeiras …

Se chamava , Lourival , vulgo Lourinho…

Simpatizei logo com o sujeito , por razões óbvias…

E conversamos como velhos amigos
e ele me disse que trabalhara no Derba , que conhecia aquelas bandas , construindo estradas , e que num acidente de carro , os vidros estilhaçados feriram seus olhos…

Fez várias cirurgias , mas foi perdendo a visão completamente , submergindo num mundo de sombras e véus.

O primeiro impacto foi duro , ficou deprimido .

Mas aos poucos foi descobrindo um mundo inédito , enquanto outras percepções se ampliavam !

  • Eu só conheci a mim mesmo depois do acidente ! Andava muito distraído ! E encontrei Deus no escuro…

Naquele momento a conversa ganhava corpo .

Estava diante do homem e seu testemunho contundente .

Não era mais um passeio descompromissado .

Era a Odisseia que eu vislumbrava , de um viajante destemido !

Fiquei muito impressionado com seu depoimento , e lembrei de Borges , no Elogio da Sombra , quando fala da cegueira .

  • Eu não me sinto cego meu caro colega . Só quando me enganam . Pois a mentira é um mal encoberto !

Recitei o Poema do Grande escritor Argentino :

” Prisioneiro de um tempo sonolento
Que não marca sua aurora nem ocaso.
É noite. Não há outros. Com o verso
Devo lavrar meu insípido universo.”

Quando termino de lê-lo Lourinho exclama :

  • Esse sou eu !
    É exatamente isso !
    É quando surge uma nova oportunidade
    De um mergulho profundo !

Eu não contive as lágrimas , guardei-as em silencio , mas meu interlocutor me pergunta :

  • Porque choras meu filho ?

Sim.
Ele não é cego.
Ele enxerga através dos olhos
E vê o invisível que se esconde da matéria !

Então já adiantados nesse vôo iniciático , completou :

  • No dia 24 de Agosto de 2017 a Lancha Cavalo Marinho naufragou na Baia de Todos os Santos !
    Eu estava na embarcação !
    Fiquei preso no convés que tombou , espremido nos corais.
    Não pude respirar . Pensei que ia morrer.
    Mantive a calma e me lembrei dos tempos do exército quando aprendi técnicas de sobrevivência . Encostei a cabeça no ombro , me desvencilhei dos escombros , e subi à superfície !
    Tateando a água encontrei duas mochilas que boiavam e me agarrei gritando :
    Eu sou cego! Eu sou cego ! Me ajudem !
    Ninguém respondia .
    Neste momento me lembrei de Lucas , que na Bíblia conta a História de Jesus e o cego Bartimeu , que gritava : Mestre ! Mestre ! Cura-me ! E ele enxergou !
    Gritei novamente e um bote salva – vidas se aproximou . Havia nele um homem surdo que me resgatou !
    Eu estava ileso por ordem e graça do Espírito Santo !

Engoli a saliva . Não queria passar vexame e chorar convulsivamente …

Então Lourinho prosseguiu :

  • Na vida meu filho há que apreciar os acontecimentos de forma serena . Medir a distância antes de tomar a ação correta . Na dificuldade é a Temperança que vale . E a clareza …

Pensei quantas vezes fui afobado , desajeitado e impreciso .
E agi exaltado ! Mal pude respirar como um afogado perdido !

Mas aquele homem me dava provas da serenidade conquistada as custas de desafios enormes .

Então chegava a hora da partida , quando um permanece aonde está , e o outro regressa pela saida…

Que ficou entreaberta como uma janela , que se abria…

E dessa pequena fresta eu vislumbro um Universo desconhecido , que na escuridão galáctica se ilumina !

Eu sinto os sois e os astros e as passagens que encontro me levam a Lourinho…

E a confiança me invade como uma onda magnética que me impulsiona para frente…

E aquilo que era medo se transforma em coragem e a certeza que estabelece a Verdade , de que não estamos sozinhos…

Apenas ignoramos a Natureza Divina e a Força interior que nos habita , como é a história deste homem Visionário aparentemente cego…

Que me mostra o caminho com seu Cajado

Tateando o mundo num suspiro !

Flavio Fucs
Flavio Fucs
"Poeta sou cumpro meu Fado . Como o dum santo ou dum louco . Só posso dar demais ou muito pouco . Que é tudo quando tenho ." José Régio
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