Se você não mora no Capão talvez eu precise explicar o que é jirau. Trata-se de estruturas de madeira, ou em alguns casos de alvenaria, onde o lixo é armazenado a uma certa altura do chão, enquanto não é recolhido pelo caminhão da prefeitura para levá-lo ao seu destino final, o lixão de Palmeiras. Se você já visitou o Capão já deve ter vistos estas quase esculturas transbordando de lixo em alguns pontos do Vale. Acredito que com o aumento da população local, notadamente nos períodos de grande fluxo turístico, os jiraus acabaram não dando mais conta da grande produção de resíduos. Moradores mais antigos contam que no passado não havia nem a coleta da prefeitura. A maior parte dos alimentos eram produzidos localmente, outra parte comprada a granel na feira de Lençóis ou Palmeiras e as poucas embalagens eram armazenadas nos quintais das casas. Com o passar do tempo o modo de consumo foi se transformando. Temos embalagens plásticas para quase tudo. São diversos tipos de plásticos, além de isopor, tetrapak, vidro, etc.
Quando eu vim morar no Vale do Capão em 2012 já existiam coletivos e iniciativas de educação ambiental que tentavam discutir e sensibilizar a população com relação à necessidade de gestão dos resíduos produzidos localmente. A manutenção dos jiraus já era uma pauta que gerava divergência. Parte da comunidade entendia que eles funcionavam como foco de acúmulo de lixo, um risco à segurança sanitária, além de visualmente desagradáveis, ainda mais para uma localidade turística. Outra parte rebatia, diziam que os jiraus eram muito eficientes para o sistema de coleta existente, desde que a população tivesse consciência de que o lixo destinado deveria estar seco e limpo, deveria ser depositado nos dias de coleta, evitando que ele ficasse ali por muito tempo. O fato é que parte da população, seja porque trouxeram hábitos urbanos, seja porque nunca tiveram que lidar com embalagens e resíduos em grande quantidade, destinam aos jiraus todo o lixo gerado em suas casas (restos de comida, lixo sanitário, lixo seco…) sem nenhuma separação.
Por outro lado, a prefeitura não oferece um serviço de coleta seletiva com destinações distintas para os diversos tipos de resíduos. Se tudo acaba sendo misturado no caminhão da prefeitura, porque eu devo ter o trabalho de lavar, secar e separar meu resíduo? É o que muitos se perguntam. A primeira resposta possível é que infelizmente a coleta da prefeitura não tem regularidade. Nunca sabemos quando o caminhão da prefeitura vai passar, por isso é possível que seu lixo fique armazenado no jirau por um bom tempo. Se estiver seco e limpo vai evitar a visita de baratas e ratos, além dos cachorros que acabam rasgando e espalhando o lixo. Outra questão importante é que infelizmente a triagem dos resíduos se dá no próprio lixão. Pessoas se arriscam todo dia no lixão de Palmeiras para selecionar resíduos que possam vender. Se o lixo já estiver limpo, seco e separado é uma forma de diminuir os riscos desse trabalho.
Pessoalmente, concordo que os jiraus do Capão se tornaram mini lixões a céu aberto e entendo a necessidade das pessoas que vivem no entorno deles de tirarem eles dali. O primeiro grande jirau a desaparecer foi o da Mata. Ele era tão grande e emblemático que funcionava como ponto de referência para nos localizarmos no bairro. Em seguida desapareceram o dos Brancos e o dos Campos, que assim como o da Mata, eram enormes. Ali eram estocados lixo de banheiro, fraldas descartáveis, resto de comida, lixo seco, material reciclável, restos de obras…Enfim, tudo do que os moradores queriam se livrar. Os jiraus se tornaram um grande problema sanitário, principalmente para as casas vizinhas. E por isso acabaram sendo retirados.
Apesar de entender as razões que levaram os moradores a retirarem estes jiraus, é importante perceber que com isso os jiraus mais próximos ficaram sobrecarregados, pois o lixo continuou sendo produzido e destinado de forma equivocada aos outros jiraus, ou seja, o problema continuou, apenas mudou de lugar. Enquanto escrevo esse texto pude observar que os jiraus localizados na frente da Escola Comunitária Brilho do Cristal também foram desativados. Sem o jirau na Mata eles passaram a ser o grande destinatário de todo o lixo produzido no bairro, assim, presumo eu, acabou virando um problema sanitário na frente da escola. Por outro lado, todo o lixo que antes estava ali exposto para todos verem, inclusive os turistas, que são a galinha dos ovos de ouro da comunidade, continua sendo produzido e enviado para o lixão de Palmeiras.
O que quero dizer é que os jiraus, por mais sujos e feios que pareçam, demonstram bem como descartamos o nosso lixo. Nesse sentido, poderia dizer que eles cumprem uma função quase pedagógica ao escancarar aos moradores e visitantes como (não) lidamos com nossos rejeitos. Tirar os “mini-lixões” do Vale do Capão não resolve o problema de produção de lixo sem destinação adequada no município de Palmeiras. De fato, o município não possui aterro e todo lixo produzido é destinado a esse lixão localizado na sede do município. Famílias trabalham diariamente na coleta dentro do lixão, outras dezenas moram no entorno, além de comunidades, notadamente a comunidade quilombola do Corcovado, cuja estrada de acesso passa no meio do lixão. Há alguns anos, em levantamento realizado, constatou-se que cerca de 70% do lixo de Palmeiras é produzido no Vale do Capão. É importante lembrar que boa parte desse lixo é gerado pelos comércios locais, que ao invés de adotarem um sistema próprio de descarte, sobrecarregam o sistema de coleta já precário. É justo isso? O Vale do Capão fica com o bônus do crescimento econômico e delega o ônus para o restante do município?
Encerro esse texto te convidando a levar mais a sério toda essa história de que não existe “jogar fora”. Todos esses resíduos que produzimos e descartamos continuam no nosso entorno, poluindo e gerando problemas sanitários para a comunidade e município como um todo. Tente reduzir o consumo de produtos e embalagens não recicláveis, se responsabilize pelo que descarta e como descarta. Procure saber das iniciativas de reciclagem que estão acontecendo. Tem o Coletivo Capão que faz a coleta seletiva voluntariamente uma vez por mês; tem um senhor que está reciclando garrafas de vidro para a construção de sua casa; tem pessoas reciclando embalagens plásticas e buchas para produção artesanal. Vamos conhecer e fortalecer as iniciativas que tentam diminuir nossos impactos!