Apesar de proibida pelo governo federal de captar recursos via Lei de Incentivo à Cultura, a edição 2021 do Festival de Jazz do Capão não está ameaçada. “O evento será realizado”, garante o diretor artístico e curador do festival, Rowney Scott.
Nesta segunda-feira, 9, Roninho, como é mais conhecido no Capão, tornou público trechos de um parecer técnico da Funarte que usava uma postagem feita na fanpage do festival no facebook “pela democracia e contra o fascismo” como principal argumento para indeferir a solicitação de captação de apoio financeiro através da Lei Rouanet.
“A imagem em si insurge contra a Lei Federal de Incentivo à Cultura Rouanet e subleva sua legalidade de aplicação, opondo-se ao ordenamento da finalidade do recurso público incentivado”, diz trecho do parecer, que pode ser acessado na íntegra AQUI. “CONCLUSÃO: desvio de objeto, risco à malservação do recurso público, incentivado com de indevido uso do mesmo”, sentencia.
A decisão ganhou repercussão nacional, com matérias publicadas pelos príncipais veículos de comunicação, como a revista Veja e o jornal Folha de São Paulo. O próprio secretário nacional de cultura, Mário Frias, veio a público através das redes sociais para chancelar a decisão da Funarte:
Mas do ponto de vista prático, a recusa não irá interferir na realização do festival. “Temos uma verba de evento calendarizado há três anos na Secretaria Estadual de Cultura que cobre 65% das nossas despesas. A Lei Rounet é uma forma de complementar o nosso orçamento, que é de R$ 250 mil. Agora, vamos lançar uma campanha colaborativa pra suprir essa lacuna”, explicou.
Em 2021, o Festival vai para sua oitava edição, em 10 anos de existência. Ano passado não ocorreu por causa da pandemia do novo coronavírus. Este ano será realizado de forma virtual, mas não em formato live, e sim por meio de vídeos gravados e editados com artistas cantando e tocando no Vale do Capão, que posteriormente serão exibidos nas plataformas digitais.
Professor adjunto da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, onde leciona aulas de saxsofone, improvisação e música de câmara, Roninho diz que o parecer da Funarte causou estranheza não só por pinçar uma única postagem de conteúdo político em meio a um universo de centenas de textos, fotos e vídeos publicados ao longo da realização do festival, mas sobretudo pelas citações religiosas contidas “em um documento oficial de um estado supostamente laico”, ironiza.
O parecer da Funarte é datado em 25 de junho pelo coordenador técnico do Pronac, Ronaldo Gomes, que foi exonerado do cargo no dia 1º de julho. E traz logo no epígrafe a seguinte menção atribuída ao compositor Johann Sebastian Bach. “O objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”.
Segundo a análise de Paulo Renato Vitória, doutor em Direitos Humanos pela Universidad Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha, o conteúdo do parecer técnico não tem quase nada de técnico e muito de ideológigo. “O parecer é confuso, mal escrito e não aponta nenhum critério técnico para a negativa do recurso solicitado. Uma sucessão de frases religiosas desconexas e diversas citações em latim e alemão, que procuram demonstrar alguma erudição, algum refinamento argumentativo, mas só servem para caricaturizar ainda mais a miséria estética, política e moral do bolsonarismo”, critica.
“Não diz nada com nada e não dialoga com a realidade brasileira, uma vez que reivindica um conceito eurocêntrico, reacionário e elitista de arte. Remete, na forma e no conteúdo, ao famigerado discurso nazista proferido pelo antigo secretário de Cultura Roberto Alvim, que plagiou Goebbels e acabou demitido”, compara. “Está expresso de forma inequívoca no parecer que o Festival foi rejeitado porque defende a democracia e se opõe ao fascismo”, conclui.
A organização do Festival de Jazz do Capão não descarta uma ação no Ministério Público Federal visando a anulação do parecer. No momento, no entanto, o foco principal é buscar uma fonte de receita alternativa para complementar o orçamento.
Apesar do transtorno, Roninho diz que não se arrepende da postagem: “Não. Contra o fascismo, o racismo, e qualquer forma de opressão. E pela democracia.”
Maior evento do gênero realizado na Chapada Diamantina, o Festival de Jazz do Vale do Capão é responsável por trazer artistas de renome nacional e internacional para o pequeno povoado do município de Palmeiras, a exemplo de: Ivan Lins, Naná Vasconcelos, Hermeto Pascoal, Toninho Horta, João Bosco, Letieres Leite Quinteto, Dori Caymmi, Ricardo Castro, Joyce, Egberto Gismonti, César Camargo Mariano, a norte americana Michaella Harrison e o grupo alemão Kapelle 17, entre outros.
VÍDEO – FESTIVAL DE JAZZ DO CAPÃO
Por Aurélio Nunes