
Lea me apresenta o bolo de laranja .
Pensei que fosse de aipim , e me decepciono .
Mas do jeito que ela segura o vidro ( com tanta força ) imagino a firmeza do seu povo .
Quando olho para ela vejo ancestralidade , e uma senhora que lhe acompanha .
Pergunto de onde vem essa raiz … , e ela responde :
- Moro com minha avó Dona Lourdes , de 82 anos…
Lea desconfia de minhas perguntas , está cansada e trabalha com afinco .
Mulher de múltiplas habilidades e resistência .
Seu sorriso é sério , sua tez brilha …
- Você sabe costurar cozinhar e fazer outras coisas ?
Ela me diz incisiva :
-Pense numa pessoa que não sabe fazer nada ..!?
Não acredito em sua resposta .
Para chegar até aqui deu muito trabalho …
Lea mói o pó de café e liga a máquina !
Ela é magra . Um feixe de músculos . Enérgica e silenciosa…
Não posso deixar de notá-la , sua cor reluz na Aurora…
Sim… Eu posso ver …
Que mesmo não sendo ela , ou sendo outra , o labor faz parte de sua vida , ainda hoje …
É como um fardo que se perpetua !
Parcos e exíguos rendimentos que se multiplicam , pagam contas , criam filhos , pequenos milagres cotidianos .
Agora ouço uma gargalhada ao fundo.
É grave e não parece dela .
Então digo :
- Sua avó sorri com sua boca !
Então ela olha me inquirindo , e não desvia a fronte !
Peço desculpas …
Tento explicar :
- As vezes não me contenho ! Sou escritor …
Quando espero uma reprimenda , ela responde :
- Que bom !
Agora Lea entende e aceita , e relaxa …
Pergunto em pensamento :
Quanto tempo foi necessário para que isso acontecesse ?
Para que o povo enfim descansasse dos rigores ?
Não há resposta audível…
Mas eu li nos livros que foram 380 anos…
Mesmo ainda assim hoje não descansam .
Parece que sempre há algo a ser feito , uma pedra que se carrega , uma tarefa inconclusa…
O uso do cachimbo deixa a boca torta !
A força do hábito cria imagens indestrutíveis .
E muralhas !
Que protegem e separam !
Agora os muros intransponíveis se afastam …
Tijolo por tijolo !
Eu e Lea vamos caminhando …
Em direção ao Firmamento .
Lá eu conto histórias…
E ela repousa…à sombra de um olmo…
Como se nada acontecesse…
Mas ela não perde a pose , limpa com um pano a mesa .
E volta para o balcão …