O velho Anísio, que saudade! Em alguns momentos ainda o vejo em minhas memórias indo pra roça, no Martin, com D. Argentina, sua esposa, um jegue e o cachorro Rompe Ferro, aonde passava a manhã amanhando a terra; aliás sobre Rompe Ferro, por muito bravo que fosse, jamais se adiantava na caminhada ao burrico, pois o mesmo o mordia toda vez que ousava isso.
Homem especial e íntegro como poucos, que com sua esposa soube criar muito bem os filhos que mostram a mesma integridade dos progenitores. Seu Anísio, posso dizer sem medo de errar, está entre aquelas pessoas mais inteligentes que conheci.
Dono de si, sabia o que queria, fino observador e ótimo para tirar conclusões daquilo que via. Uma mente lógica, diria até científica. Um dia me disse que o povo acreditava que os carrapatos chupavam o sangue dos animais e depois estouravam e disso é que provinha sua prole. Mas ele me disse que não era verdade, pois aprisionara um carrapato bem redondo, cheio até onde não podia mais e ficou observando dia após dia, até que o animal pôs ovos do qual eclodiram os filhotes. O carrapato não estourou.
Outro dia me disse: “Aureo, você sabia que as crianças quando estão dentro da barriga da mãe elas sabem tudo o que se passa aqui fora …”. Respondi que sabia sim, mas curioso perguntei de onde havia tirado isso, ao que comentou que uma determinada mãe aqui do Vale, tinha tomado uma queda em tal lugar (e apontou para o lugar) e agora, alguns meses depois do parto, a mesma mulher tinha passado ali e a criança assustada (sem motivo aparente) agarrou-se firmemente ao pescoço dela.
Era um observador excelente! Certa feita, conversando com ele sobre as injustiças do mundo para com o povo do campo, comentei que um dia isso iria mudar, ao que me contestou que já estava mudando, pois a própria terra estava mudando e acrescentou que antes era mais fácil lavrar com a enxada, pois o solo era mais macio.
Jamais vou conseguir dizer tudo o que aprendi com aquele sujeito tão nobre, tão especial. Foi ele quem me ensinou que o mastruz com sal era bom para entorses, dentre outras coisas da medicina garimpeira. Também alertou-me várias vezes dos segredos mágicos da vida na serra e no garimpo, da Mãe do Ouro, dos sonhos reveladores – um dia disse que sonhou com três irmãs bem bonitas, com idades e alturas diferentes. Estava no garimpo e ao despertar já sabia o que iria acontecer, vai daí que na lavra encontrou três diamantes, cada um com seu tamanho, tal como as irmãs. Foi um dos mestres que me mostraram que devemos ler os sinais e deles tirar as lições que nos aproximam do cerne das coisas.
Não sou um bom aluno, mas aprendi bastante com o Velho Anísio. Um dia conto mais coisas.
Beijo no coração de todos vocês.
