O Vale do Capão sempre foi conhecido por suas belezas naturais e seu povo acolhedor. A comunidade sempre foi destino certo para quem quer fugir da cidade e encontrar um lugar de tranquilidade e conexão com a natureza. É claro que nos feriados, e posteriormente em qualquer fim de semana, você também encontrava aquele mini burburinho da cidade: alguns poucos bares, artistas de rua, música e um ambiente propício para quem também estava buscando uma festinha além do descanso.
Em 2020 quando o mundo inteiro parou por conta da Pandemia da Covid 19, a comunidade organizou uma comissão gestora que implementou algumas ações preventivas como a barreira que impedia o acesso de visitantes ao Vale, além do GAQ, Grupo de Apoio à Quarentena, que distribuiu centenas de cestas básicas para a população ao longo do ano. Ah…Bons tempos…Apesar de existirem divergências de opiniões ou da pressão de alguns setores, a comunidade estava coesa quanto à necessidade de se proteger. Vale lembrar que o acesso à saúde é precário no interior, havendo apenas um Hospital Regional que atende 24 municípios da Chapada.
Em novembro, com a diminuição, ainda que mínima, dos casos de Covid no Brasil, o Vale do Capão foi reaberto e a barreira desativada. Gradativamente bares, restaurantes, pousadas, agências de turismo foram reabrindo e a atividade turística voltou a acontecer. Esse processo de reabertura foi acompanhado pela implementação de protocolos impostos pela Prefeitura. Na época só podiam abrir os comércios que implantassem as devidas modificações estruturais e no atendimento, como a redução de mesas em Restaurantes, a disposição de sanitários para os clientes, além do uso obrigatório da máscara e do álcool em gel. Tudo perfeito e super possível para reabrir os receptivos turísticos sem nenhum risco!
Aos poucos e como era de se esperar, alguns comércios começaram a infringir os decretos: desobedecer ao horário de fechamento, não reduzir o número de mesas ou ocupação dos quartos e o “velho normal” voltou sob o olhar de uma comunidade conivente. Em abril Dona Betinha, uma senhora nativa e moradora da vila, faleceu vítima da Covid e nenhuma mudança foi efetuada, nenhuma palavra proferida além do texto que eu mesma escrevi no jornal Stricto, pelo menos não que eu tenha ouvido. O que ouvi foram rumores como: “Será que foi Covid mesmo?”. Ou seja, o medo da morte, aquele que nos fez nos trancarmos em casa, criar redes de solidariedade, doar cestas básicas, repensar nosso modelo de sociedade e, ingenuamente, acreditar num “Novo Normal”, esse medo se dissipou. Betinha morreu e nada aconteceu. Quantos outros precisarão partir?
Entendam, eu não estou aqui falando que o Capão deva ser fechado novamente, embora em princípio eu acredite nisso. Vivemos numa sociedade que depende que a roda da economia não pare de girar nunca, e talvez por isso a moda do “Novo Normal” não pegou. Além disso, vivemos num país onde praticamente não há poder público, essa instância sempre foi fragilizada e agora ela se tornou nosso pior inimigo. Vivemos num país onde o governo quer nos matar. Se você acha exagero, o que me diz da famosa frase: “Ou morre do vírus ou morre de fome”? Vivemos num país onde morreram 500 mil pessoas por uma doença para a qual já existe vacina. É como se morressem 500 mil pessoas de sarampo! Então, se é necessário que os comércios e as atividades econômicas voltem à ativa, é necessário que isso seja feito com protocolos, os reais protocolos e não aqueles que estão no papel e nas placas de sinalização e ninguém respeita.
A questão aqui não é de saber se deve ou não abrir, mas de como abrir. No início do mês de junho um vídeo de um grupo de pessoas dançando uma quadrilha de São João no meio da vila do Capão viralizou na internet. Na imagem, dezenas de pessoas se divertiam, aglomeradas e sem máscaras, dançando em frente a um restaurante da vila visivelmente aberto fora do horário estipulado pelo decreto municipal. A cena era um “Foda-se a vida” a la Pugliese, mas dessa vez não teve cancelamento, pelo menos não das pessoas envolvidas. No dia seguinte as consequências foram apenas alguns moradores chocados com o que viram na internet e uma promessa do poder público de acirramento da fiscalização com presença policial; enquanto que alguns comércios continuaram a descumprir o decreto após a ronda policial sair do Capão.
As pessoas não foram canceladas, mas algumas reservas feitas para o São João sim. Turistas e visitantes, aqueles que têm o Capão como um refúgio para descansar e respirar um pouco em meio ao caos, esses estão desistindo de vir, já que o Vale passou de comunidade acolhedora que cuida de seus visitantes para comunidade conivente com os negacionistas que promovem aglomerações e não usam máscara. Talvez esse tipo de turismo esteja impedindo que um turismo mais seguro para todos, moradores e visitantes, aconteça, um turismo que permita a sustentabilidade econômica dos comércios, ainda que não haja grandes lucros.
Encerro esse texto convidando você, morador, comerciante, trabalhador do setor turístico, a pensar que modelo de turismo pandêmico queremos. Convido você, turista, que já fez sua reserva para o São João no Capão, que já teve Covid ou tomou a vacina, e por isso se acha totalmente imunizado, lembre, você não está! E nós, moradores muito menos. Não temos poder público que atue efetivamente e, por hora, não temos vacina para todos, por isso nos cuidemos uns dos outros.